Fonte: SÃO PAULO AGORA 27.abr.2020 às 10h00
Pouco mais de um mês após o início do estado de calamidade que, por causa do novo coronavírus, paralisou atividades do comércio e serviços, pequenos empresários ainda veem com incerteza o futuro e lutam para se reinventar.
Luciene Carneiro, 48 anos, proprietária de um salão de beleza em Campinas (98 km de SP), fechou as portas no final de março e ainda não tem previsão de voltar.
"Todos os meus profissionais autônomos, como esteticistas, manicures e depiladores, se inscreveram no coronavoucher. Já os funcionários registrados estão de férias", diz a empresária.
Pensando na viabilidade financeira das atividades e na fidelização da clientela durante a crise, Luciene decidiu criar uma espécie de venda pré-paga de produtos e serviços.
“Abrimos um canal de vendas online em que você compra um produto nosso, como um kit de hidratação, por exemplo, a R$ 50. Quando voltarmos, você terá esse valor de crédito para usar no salão. A ideia é estimular o serviço quando a gente reabrir."
Para não perder o contato com os clientes, a empresária decidiu, com a equipe, começar a postar vídeos no Instagram e no YouTube do salão, com dicas de beleza, artesanato e culinária.
“Ensinamos a fazer o cabelo, esmaltar as unhas, massagem, até curso de auto maquiagem para aparecer mais bonita nas lives. Assim a gente vai mantendo o contato, porque é disso que a gente vai precisar quando voltar.”
“Lucro a gente já desistiu esse ano. O principal agora é sobreviver depois que voltarmos”, diz Luciene.
Marcio Sanches, 41, dono de um pet shop em Moema, zona sul da capital, também teve que adaptar a rotina do estabelecimento às normas municipais e estadual. Por ser uma área essencial, a loja pode funcionar, mas seguindo algumas regras.
“Os banhos foram suspensos e estamos apenas com vendas e consultório, de quinta a sábado, com agendamento. Também fazemos entrega de produtos nos bairros próximos.”
O empresário diz que decidiu colocar parte dos funcionários em férias e que tem negociado preços e prazos com fornecedores.
“Têm sido semanas difíceis, sem tempo extra. Tenho também uma pequena loja em shopping e, diante, de tudo o que está acontecendo, tive que administrar todas essas crises."
Linhas de crédito para micro e pequenos
Em março, o governo federal e alguns estados anunciaram a liberação de bilhões de reais para incentivar a economia e socorrer empresas impactadas pela diminuição dos negócios causada pela Covid-19, principalmente as de micro e pequeno porte.
O maior volume de dinheiro foi disponibilizado para capital de giro (subsistência da empresa e pagamento de funcionários e fornecedores, por exemplo), em linhas de crédito oferecidas por bancos como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e Desenvolve SP, instituição financeira do governo paulista.
Promissora no papel, a medida não chegou ao ateliê da costureira Fabrícia Souza dos Anjos, 37 anos. Ela, que colocou a equipe de férias desde o início de abril, diz que tentou empréstimos em três bancos diferentes, sem sucesso.
"Um deles disse que a empresa estava com 74% do capital comprometido, sendo que não temos nenhum crédito com a instituição. Em outro, a resposta que tivemos foi apenas 'empresa não qualificada', sem nenhuma explicação a mais. E, por fim, no último banco que tentamos sequer foi possível fazer cadastro."
A empresária se diz preocupada em como vai manter o quadro de funcionários após o retorno das férias.
"Pode ser que tenhamos de mandá-los embora e, o pior, pode ser que não tenhamos dinheiro nem para pagar os direitos."
A situação de Fabrícia não é um caso isolado. Pesquisa do Sebrae, realizada na segunda semana de abril, mostra que apenas 30% dos empresários buscaram empréstimos desde o início da crise. Desse total, diz o levantamento, três em cada cinco tiveram o pedido negado e um em cada três ainda está esperando resposta.
Na última semana, o Senado aprovou a criação de uma linha de crédito de R$ 15,9 bilhões durante a pandemia, voltada especificamente às micro e pequenas empresas.
O recurso, que ainda precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), será concedido por bancos, cooperativas e fintechs por meio do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte).
Máscaras e marmitas
O que poderia ser um revés para a costureira Fabrícia dos Anjos acabou se tornando uma janela de oportunidade. Com o afastamento da equipe, decidiu confeccionar máscaras de pano junto com o marido para vender.
O uso do item está sendo recomendado pelo governo de São Paulo para todo o estado. Se necessário for, o governador João Doria (PSDB) já declarou que tornará o uso obrigatório. Há municípios, no entanto, que já iniciaram a obrigatoriedade.
"Estamos fabrincando, em média, 70 máscaras por dia, todas com pedido fechado. Meu marido é camiseiro e está me ajudando. Como não podemos atender clientes pessoalmente para fazer camisas, a solução foi essa e, graças a Deus, está tendo bastante saída."
Danyelle Mantovani, proprietária de um restaurante no Tatuapé, na zona leste da capital, também teve que inovar nos produtos oferecidos e passou a ampliar a venda de marmitas via delivery.
"Estou vendendo kits em que, comprando 10 unidades, o cliente recebe uma de graça. Não faturo o mesmo do que com o restaurante, mas minha média está melhorando, está dando muito certo. Estou apredendo a trabalhar de outra maneira e minha esperança é, quando voltar, eu ter o restaurante em paralelo com as marmitas."
A empresária conta que, no começo da pandemia, não esperava que teria de fechar o restaurante. Na esperança de manter o funcionamento, chegou a trocar o esquema self-service pelo à la carte, mas a mudança durou pouco tempo.
"A partir do fim de março já deixei de abrir, porque, com a queda de mais de 50% no movimento, estava tendo prejuízo. Tive que dispensar os funcionários e estou na produção de marmitas sozinha, a portas fechadas. Mas acredito que no final vai dar tudo certo, que é segurar meu restaurante, meu ganha-pão."
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