FONTE: O Globo
RIO — Elas são só fachadas. Literalmente. Construções das quais sobrou unicamente a casca: ocas, sem teto, desprezadas, mas repletas de histórias. O Rio está cheio de imóveis assim, espalhados por bairros históricos, do Centro à Glória, de São Cristóvão à Lapa, em recantos escondidos ou em ruas movimentadas. Em apenas seis horas circulando por essas regiões, uma equipe do GLOBO anotou 20 prédios e casas que, abandonados, ruíram quase completamente.
Na Gamboa, apenas na Rua do Livramento são quatro imóveis dos quais pouco restou. À beira da Via Binário, um galpão em restauro da Fábrica de Espetáculos do Teatro Municipal também só tem fachada até agora. Na Lapa, o teto do número 33 da Mem de Sá, em frente aos Arcos, desabou. Já o sobrado da esquina das ruas Gomes Freire e do Senado continua de pé graças ao escoramento com uma estrutura metálica, o que se repete na esquina das ruas do Riachuelo e dos Inválidos.
Na Praça Tiradentes, em pleno Corredor Cultural do Centro, o casarão do número 75 é outro que sucumbiu. Vizinho de construções em restauro, como o Solar do Visconde do Rio Seco, o prédio do século XIX já teve dias mais alegres. Entre 1942 e 1968, foi até sede da Gafieira Estudantina, atualmente no endereço ao lado.
Ao longo da última década, contudo, foi reduzido à fachada. Em 2012, o estado, proprietário do prédio, chegou a fazer um estudo de preço de mercado para vendê-lo. Mas o lugar virou um arremedo do que já foi no passado: tornou-se depósito de produtos de camelôs e, numa das suas portas em arco, abriga uma lojinha de produtos diversos.
— O problema da cidade é que a preservação do patrimônio é relegada à excepcionalidade. Temos construções belíssimas que não foram preservadas — diz o historiador Nireu Cavalcanti.
PASSADO DESCONHECIDO
Na Zona Portuária, nem a casa em que nasceu Machado de Assis, na Ladeira do Livramento 65, escapou do infortúnio de ficar apenas com a fachada. Mesmo em áreas revitalizadas, como em frente ao Cais da Imperatriz, há casarões ocos, como o da Rua Sacadura Cabral 167, onde funcionou, segundo os jornais de 1898, a primeira sede do Clube de Regatas Vasco da Gama, quando o local ainda era conhecido como Rua da Saúde. O sobrado sem o miolo destoa do entorno recuperado: virou estacionamento e oficina mecânica.
— Lembro bem. Há uns 20 anos, funcionava aqui uma papelaria. Mas o prédio pegou fogo. O sobrado ficou muitos anos fechado. Crescia mato dentro. Não tem cinco anos que entrei aqui para montar meu negócio — conta o proprietário atual, Geraldo Ferreira da Silva, vascaíno que nem imaginava que o prédio fez parte da história de seu clube.
São Cristóvão também tem seus imóveis só na casca. Na Rua Escobar, são três. Já uma lateral inteira da Rua da Igrejinha, no quarteirão entre o Campo de São Cristóvão e a Praça Padre Seve, é ocupada por um velho casarão de paredes externas e nada dentro. Há pelo menos três anos ninguém entra nele. E os galhos de uma árvore saem por janelas do segundo andar.
— Tem um dono. Mas já tem um tempo que não aparece. Antes, já disseram que o lugar foi de tudo, de escritório da antiga Casa da Banha a monastério — conta o comerciante Guilherme Thimoteo, cuja família tem uma loja em frente ao prédio.
IPTU PROGRESSIVO
Presidente do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade, Washington Fajardo aponta uma série de fatores para os imóveis chegarem à situação de ter apenas a fachada: problemas jurídicos, perda da cadeia sucessória da propriedade, acúmulo de dívidas e multas. Embora não existam instrumentos jurídicos para impedir que o proprietário abandone o imóvel, Fajardo diz que há formas de desestimular esse comportamento.
Ele cita como exemplo políticas como a Pró-Apac, através da qual a prefeitura ajuda com recursos financeiros a restaurar imóveis privados. Fajardo também lembra que é possível convencer os proprietários através da adoção do mecanismo de IPTU progressivo: se o prédio ficar vazio ou subutilizado, o dono é notificado e o valor do IPTU no ano seguinte pode dobrar.
— Também multamos donos de prédios malconservados. Mas os valores são baixos. Acabamos ficando presos numa burocracia que não resolve. Há ainda outras soluções que, ao meu ver, poderiam ser estudadas, como leiloar imóveis públicos em mau estado a valores mais baixos — afirma.
Já o engenheiro Antonio Eulálio, conselheiro do Crea-RJ, chama atenção para outro aspecto: os prédios que são só casca oferecem riscos.
— Essas fachadas precisam estar estabilizadas, ou um vento pode derrubá-las.
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