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Hábito de levar \'lembrancinhas\' dá prejuízo a bares e restaurantes do Rio de Janeiro
Publicado em 24/06/2015
Comensais sem cerimônia levam xícaras artesanais, taças de cristal e até peças de decoração

FONTE: O GLOBO

RIO - Um bistrô requintado, com boa comida e localizado no quadrilátero do charme, em Ipanema. No pátio interno, um jardim ao ar livre é o local perfeito para saborear um café expresso, servido em cobiçadas xícaras de cerâmica, fabricadas à mão em um atelier paulista. Por serem tão visadas, muitos clientes não pensam duas vezes antes de esconder as xícaras na bolsa e levá-las para casa como recordação. De taças de cristal a temperos, passando por peças decorativas e até iPads, os furtos cometidos pelos larápios gastronômicos vêm causando prejuízos aos bares e restaurantes cariocas.

— Nos últimos três meses, perdemos cerca de 10 xícaras. Cada uma custa em torno de 25 reais. Para continuarmos oferecendo um serviço personalizado e com boa apresentação, resolvemos não utilizar mais o recipiente no dia a dia. Passamos a servir o café em xícaras comuns. As de cerâmica, somente em datas importantes ou acompanhando menus especiais — relata Daniella Santos, uma das sócias do Riso Bistrô, que também perdeu R$350 com o furto de cinco taças de cristal durante um evento na casa, além de já ter passado por saias justas ao se deparar com clientes tentando sair com o cardápio, disponibilizado em um iPad.

Com 60% de seus frequentadores vindos da Zona Sul, o restaurante Aconchego Carioca, na Praça da Bandeira, possui um histórico de furtos que quase se equipara ao número de prêmios gastronômicos recebidos e expostos nas paredes da casa. Desde o início do ano, cerca de 40 taças de cerveja foram levadas. Mas, não para por aí: o estabelecimento perde, por mês, uma média de cinco potinhos de pimenta, preparada artesanalmente pelos funcionários.

— Os recipientes são levados sem tampa e com a colher. É muita habilidade esconder o tempero na bolsa ou na mochila sem que ele derrame — brinca Bianca Barbosa, chefe de cozinha e uma das proprietárias da casa.


No Aconchego Carioca, os clientes furtam o pote de pimenta e as taças especiais de cerveja -

Cada taça de cerveja do Aconchego tem um valor de, aproximadamente, R$20. Segundo Bianca, no início, o estoque era precisamente restituído. Porém, com o tempo, ela desistiu de repor o item.

— Não utilizamos mais as taças com frequência. Optamos por recipientes padrões. Isso é ruim, pois somos uma casa de cervejas artesanais e faz parte da excelência no atendimento servir as bebidas nas taças específicas de cada cerveja — lamenta a chefe de cozinha, listando outros dois furtos curiosos no restaurante — Por duas vezes, ao deixarem o bar, clientes furtaram a carranca de quase um metro que decora a porta do bar, e por três vezes levaram os bonequinhos de pano que ficam pendurados na porta dos banheiros.

Apesar de ter sido inaugurado há seis meses, o bar Comedoria, no Leblon, já acumula um prejuízo de R$1.400 por conta dos larápios. Kátia Barbosa, proprietária da casa, conta que importou 300 taças em formato de coroa para dar um toque especial às caipirinhas e ao frozen, especialidades do bar. No entanto, hoje, o Comedoria conta com apenas 23 peças.

— Quando o movimento é grande, servimos os drinques em taças mais padronizadas — afirma.

ATITUDE SUSCITA DEBATE SOBRE ÉTICA E CORRUPÇÃO

Pelo descolado Meza Bar, em Botafogo, passam, em média, 150 pessoas por noite. A carta de bebidas conta com os drinques soda pop, servidos em uma espécie de pote de vidro, com uma tampa de borracha. A beleza da bebida chama atenção e faz com que alguns frequentadores não resistam em levar os recipientes para casa como suvenir: por mês, a casa perde em torno de cinco recipientes, sem contar os copinhos de shot — cerca de 10 são furtados mensalmente.

— É mais um fato que faz parte do negócio. Não incentivamos essa prática, mas também não podemos ficar em cima dos clientes, fazendo marcação. Acabamos internalizando as perdas, pois não vale a pena brigar contra isso — relata Fernando Blower, proprietário do estabelecimento.

Também sócio do Riso Bistrô, em Ipanema, Jorge de Sá conta que é possível identificar os frequentadores que cometem os furtos. Segundo ele, os funcionários são orientados a agir de forma sutil, sem acusar ninguém.

— Não é fácil abordar o cliente sem causar constrangimentos. Porém, a gente desenvolve algumas táticas: por exemplo, o cliente pede três cafés e em seguida o garçom percebe que há apenas duas xícaras na mesa, ele pede desculpas e questiona se ficou faltando o terceiro café. Nesse momento, o cliente fica sem reação e a xícara acaba aparecendo misteriosamente na mesa — explica.


Xícara de cerâmica, produzida artesanalmente, que é furtada pelos clientes no Riso Bistrô, em Ipanema - Paulo Roberto Junior
Jorge critica a postura de boa parte da sociedade que brada por um país menos corrupto, mas que não abre mão dos pequenos delitos diários.

— Ainda existe muita hipocrisia. As redes sociais estão cheias de indivíduos revoltados com os roubos que acontecem em todas as esferas sociais e políticas. Ao mesmo tempo, não veem problema em furtar objetos de um restaurante, no qual os donos investem dinheiro e trabalho para oferecer um serviço de qualidade ao público.

A chefe de cozinha Bianca diz que por diversas vezes abordou clientes e pediu a devolução das taças. Segundo ela, é uma situação que prejudica a oferta de serviços e coloca clientes e funcionários em uma situação desconfortável.

— Nossos garçons acabam ficando receosos. Eles acham que a culpa pode cair sobre eles. Mas, dá para notar quando o cliente surrupia alguma coisa. Vemos diversas manifestações contra a corrupção, mas as pessoas não conseguem segurar o ímpeto de levar embora um pote de pimenta. Parece que existe um prazer em estar fora da lei — avalia.

Para o antropólogo Roberto DaMatta, esse tipo de furto não é exclusivo do Brasil, mas é uma característica peculiar do brasileiro tratá-los não como delitos, mas, sim, como malfeitos, afanações, mentiras brancas. Segundo o professor, há níveis de crime que são aceitos pela sociedade e abordados com leniência dependendo de quem os comete.

— Isso acontece em sociedades nas quais a lei só é aplicada para os mais fracos. As pessoas são radicalmente contra a violência do outro, mas não enxergam gravidade nas próprias contravenções. Achamos que roubar uma colher como lembrança não tem nenhum problema. Ou seja, o que importa não é o delito em si, mas em qual situação e por quem ele foi cometido. Essa é a grande discussão ética que o país vive atualmente — analisa DaMatta.
 
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