Lei obsoleta proíbe restaurantes na Rua Dias Ferreira, no Leblon. Estão sem alvará de funcionamento
Publicado em 11/06/2014
Lei obsoleta proíbe restaurantes na Rua Dias Ferreira, no Leblon
No mais badalado polo gastronômico da cidade, parte dos estabelecimentos não tem alvará de funcionamento
FONTE: O GLOBO
O Quadrucci, na Rua Dias Ferreira: o restaurante tem alvará de lanchonete, assim como outros na via. Comerciantes querem revisão de decreto Foto: Custódio Coimbra / Agência O Globo O Quadrucci, na Rua Dias Ferreira: o restaurante tem alvará de lanchonete, assim como outros na via. Comerciantes querem revisão de decreto - Custódio Coimbra / Agência O Globo
RIO — A Rua Dias Ferreira é a joia da coroa do Leblon. Seus domínios vão da Avenida Bartolomeu Mitre à Ataulfo de Paiva, num total de 750 metros. Tudo ali gira em torno dos 44 bares e restaurantes que formam o mais badalado polo gastronômico do Rio. São casas premiadas onde anônimos e celebridades se sentam lado a lado, dispostos a pagar caro para comer bem. Por tudo isso, custa acreditar que, no caso dos 18 restaurantes, a maioria não poderia estar ali. Motivo: eles não têm alvará de funcionamento. E, se ele existe, a natureza da licença não é compatível com a de restaurante. O Celeiro, por exemplo, tem alvará de lanchonete, assim como o Quadrucci e o Minimok. No CT Boucherie, casa de carnes do francês Claude Troisgros, a licença é para bufê. Apenas Sushi Leblon, Zuka, Sawasdee, Manekineko e La Mole têm alvará de acordo com a finalidade.
Veja Também
Comerciantes do Leblon se queixam das obras da Linha 4 do metrô
Vídeo Sem conserto de magrelas no Leblon
Mas a falta de licença não é culpa dos empresários do setor, que muitas vezes desconhecem a impossibilidade de obter a autorização quando decidem abrir um negócio. A origem do problema está no antigo decreto municipal 6.115, assinado pelo então prefeito Roberto Saturnino Braga em setembro de 1986. Para proteger o Leblon do avanço da construção civil, diversas ruas passaram a ter restrições de uso, como, por exemplo, regras de gabarito diferentes para cada área do bairro. Uma das restrições atingiu em cheio o setor de restaurantes. Novas casas foram proibidas de ser abertas em um grupo de 14 vias, entre elas a Dias Ferreira.
— É um problema estrutural. Ninguém quer uma nova área gastronômica no Leblon. Esse lugar já existe, os restaurantes estão lá. Nosso esforço é para regularizar a região toda, obviamente obedecendo às regras urbanísticas, mas respeitando uma realidade que já existe — afirma Pedro de Lamare, dono da rede Gula Gula e presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes (SindRio). — Já conversei com vários secretários e todos concordam que a situação precisa mudar. Queremos regras que possam ser seguidas. O que não pode é continuar essa ausência de regras.
FISCAIS COBRAM PROPINA
O absurdo que se tornou a situação dos restaurantes da Dias Ferreira — que dependem do Executivo municipal e também da Câmara dos Vereadores para que esse aspecto do decreto 6.115 seja revisado — é ainda mais complexo. Embora proíba os novos alvarás, a própria prefeitura facilita a concessão de uma licença de atividade similar, como bar, lanchonete e pizzaria, com o objetivo de não prejudicar a atividade comercial. O jeitinho, no entanto, se transforma em problema pouco depois. Empresários do setor não gostam de falar sobre isso, mas revelaram ao GLOBO, em condição de anonimato, que fiscais municipais da Coordenação de Licenciamento e Fiscalização (CLF) cobram por mês entre mil reais e R$ 1.500 dos restaurantes em situação irregular. Quem não concorda com o pagamento recebe uma multa, também mensal, de valor um pouco superior.
Sobre o decreto, Carolina Gayoso, sócia do Sushi Leblon e do Zuka, diz que ele precisa ser revisado, mas depois que outros problemas forem resolvidos.
— Precisamos consertar toda a rua, que há tempos sofre com falta de manutenção adequada e até com problemas de esgoto. Temos um projeto de paisagismo para a Dias Ferreira que está parado, aguardando um parecer favorável da prefeitura — afirma a empresária, que também preside a Associação Comercial da Rua Dias Ferreira.
O arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), diz que o problema só existe pelo fato de a legislação vigente ser muito exigente, detalhista e confusa.
— A própria prefeitura estimula a irregularidade. Não acho uma virtude dar alvarás de natureza similar. Isso é a desmoralização da legislação. Lembro que nos anos 1980, quando essas normas foram aprovadas, já havia muitos restaurantes na Dias Ferreira. O decreto não tem força suficiente porque foi contra um cenário que já existia — diz Magalhães. — Esse tipo de legislação é um modo já superado de enfrentar os desafios urbanos. Quanto mais detalhista e exigente ela for, maior será a área da cidade à margem da lei.
As casas que têm alvará de restaurante conseguiram a licença por terem sido inauguradas antes do decreto 6.115 ou por ocuparem imóveis que já abrigavam restaurantes. Procurada durante duas semanas, a prefeitura não respondeu se pretende revisar a norma. Também não informou se a denúncia de corrupção contra fiscais será apurada.