Produção sem desperdício - Não exercer controle sobre a seleção e transformação dos alimentos gera perdas que minam a economia do restaurante
Por Vânia lobo
O custo da matéria-prima representa um dos mais altos para os restaurantes. Basta acompanhar o noticiário diário para confirmar que o preço dos alimentos é um dos que mais pressionam a alta da inflação atualmente. Mas, se não há como fugir da carestia, por enquanto, há como pôr em prática maneiras de aproveitar melhor os alimentos na cozinha e reduzir o seu impacto nas contas do restaurante. Para Maria Lucia Perrella, professora adjunta do curso de Nutrição da Universidade Cruzeiro do Sul, saber lidar com os alimentos integralmente representa uma ação sustentável que gera efeitos positivos em cadeia na gestão.
“A abundância da produção agrícola do País representa um entrave aos programas antidesperdício, porque o brasileiro não está preocupado em não desperdiçar alimentos”, analisa. Trata-se de uma forte barreira cultural a ser ultrapassada, já que mudança de comportamento consiste em um processo complexo que demanda tempo até que a pessoa desenvolva um novo hábito. “Só treinamento e reciclagem de conhecimentos podem trazer melhoras”, conclui Maria Lucia.
Para ela, não basta usar apenas o argumento de que é possível transformar um talo de um vegetal em pratos saborosos ou que o seu uso representa menos geração de lixo na natureza, por exemplo. “O treinamento precisa fazer sentido na vida do colaborador. Senão, o aprendizado de uma nova habilidade é encarada apenas como algo favorável ao restaurante e não para a vida dele”. As orientações sobre aproveitamento de partes não convencionais dos alimentos têm mais sucesso, na prática diária, quando são acompanhadas de informações que demonstrem a influência que também podem ter na qualidade de vida do colaborador.
A professora, que tem bastante experiência na gestão de restaurantes institucionais, recomenda aos restaurantes comerciais um programa para redução de desperdício de alimentos já adotado em muitas cozinhas de empresas, escolas e instituições de ensino. Chama-se gestão integrada e consiste em um programa que surgiu, originalmente, para melhorar a produtividade nas indústrias, e que começou a ser adaptado para as cozinhas institucionais há alguns anos. A sua implementação requer minuciosos registros de procedimentos e medidas de resultados detalhados em planilhas. “Dá trabalho, mas vale a pena pois cria histórico de tudo e facilita colocar em prática e analisar”, afirma Maria Lucia.
FERRAMENTA FACILITADORA
A gestão integrada engloba cinco pontos. Os que possuem aplicação direta na transformação dos alimentos, são:
1) Gestão da qualidade (controles de recebimento e de armazenamento adequados): parte do princípio de que uma boa mercadoria gera menos perdas. Consiste na implantação de uma ficha de checagem e análise dos produtos na hora da entrega (controles de temperatura, da embalagem) até pesquisa da sua origem (fornecedor, condições do transporte e do próprio entregador). Também inclui registros sobre as peculiaridades de armazenamento de cada tipo de mercadoria e controle dos que são abertos e não totalmente utilizados num determinado momento;
2) Gestão da produtividade: reúne uma série de procedimentos para a produção. Recomenda a adoção de uma requisição à despensa, que é um impresso em que se lista tudo o que vai ser utilizado no preparo das refeições por dia de operação. É um meio de controlar o que sai do estoque e vai para a cozinha.
Evita, especialmente, a abertura desnecessária de produtos. Outra medida importante deste item está em indicar a adoção de um receituário padrão, “o que melhora muito a produtividade” – ressalva Maria Lucia. Para realizar a manipulação dos alimentos com eficiência, indica, também, a necessidade de se disponibilizar equipamentos adequados para descascar e cortar.
O desperdício pode advir de passos errados dados durante a produção em procedimentos que precisam ser detectados e corrigidos prontamente. Por isso, estabelecer um controle de perdas é importante. Alguns exemplos: pesar as aparas de carnes e avaliar o quanto são aproveitáveis e o quanto foi desperdiçado; controlar volume de resíduos decorrentes do pré-preparo de verduras, legumes, frutas e carnes. Esse cuidado indica quando há falha na manipulação ou menor qualidade do produto. Se os custos do restaurante comportarem comprar alimentos minimamente processados, facilita a produção e a sua gestão. Vale lembrar que em todo o processo produtivo é indispensável controlar a temperatura, pois impede o crescimento de microrganismos que deterioram os alimentos e provocam doenças;
3) Gestão ambiental: abrange os controles de consumo de energia elétrica, de água, da geração de resíduos orgânicos e sua destinação para compostagem e encaminhamento para a reciclagem de óleo de fritura, caixas de papelão, guardanapos de papel, embalagens em geral e lâmpadas fluorescentes. O tratamento de ruídos do ambiente, a resolver com manutenção de máquinas e equipamentos, também faz parte da gestão ambiental;
4) Gestão de inovação: sugere a reserva de um espaço e um período para testes de novas receitas e a realização de experimentações considerando aspectos ambientais. Os momentos dedicados para a cozinha experimental servem também para rever e validar processos da produção sustentável.
Mara Lucia Perrella faz mais uma recomendação para minimizar o desperdício de alimentos: que os cozinheiros sejam treinados a dosarem a quantidade de comida a ser preparada conforme o fluxo de clientes do restaurante. “No dia a dia há uma oscilação de público. Faz-se um registro do fluxo de pessoas e um parcelamento da produção conforme a demanda. Muitos cozinheiros ignoram isso porque têm pressa na produção e querem fazer tudo de uma vez. Dá trabalho exercer esse controle, exige foco e concentração da equipe, mas compensa pelo resultado”.
O desperdício de vegetais durante o pré-preparo ainda supera qualquer outro nas cozinhas, segundo a nutricionista. Desta maneira, rever processos e buscar maneiras de aproveitar todas as partes de um alimento é compensador por várias razões. “O restaurante não pode considerar o aproveitamento como algo que ameace o seu status; mas sim, como um agregador de valor tanto na operação, quanto a nível social e cultural’, afirma.
Alunos de Maria Lucia no curso de nutrição da Universidade Cruzeiro do Sul, para auxiliar os empresário a lidarem com questões gerais em seus estabelecimentos, inclusive as que concernem ao desperdício de alimentos, criaram uma empresa júnior de consultoria para restaurantes, chamada Projeto Cantinas. Os nutricionistas vão até o local traçar um diagnóstico e, depois, propõem as intervenções necessárias para solucionar os problemas.
Recentemente, o grupo foi chamado para dar uma palestra aos comerciantes de bares e restaurantes do entorno do estádio Itaquerão, na zona leste paulistana, já como medida preparativa para a operação durante a Copa de 2014.
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