Fiscalização Sanitária em Debate na Associação Nacional de Restaurantes
Por Ana Claudia Machado
Uniformizar fiscalização: nutricionista Rosana Lobo, do Grupo de Trabalho Técnico da ANR (ao centro), propõe alinhamento das diversas vigilâncias sanitárias durante painel de discussão
No início de agosto, a Associação Nacional de Restaurantes realizou na capital paulista a segunda edição do Encontro Nacional de Vigilâncias Sanitárias (2º Encovisas). Por meio de painéis de debate, o evento apresentou as dificuldades enfrentadas pelos restaurantes e demais estabelecimentos do segmento de food service em cumprir simultaneamente as exigências de segurança alimentar vigentes em legislações distintas: federal, estaduais e municipais.
Apenas como exemplo, apesar da existência da Resolução RDC nº 216/2004, que trata das boas práticas em serviços de alimentação em âmbito nacional, há Estados e municípios que têm decretos e protocolos próprios de fiscalização. Apesar de todos servirem como complemento do ato normativo federal, as diferenças podem provocar conflitos no momento da adoção de medidas de controle por parte dos responsáveis técnicos de restaurantes que trabalham em rede, com diversas unidades espalhadas pelo território brasileiro.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o Centro de Vigilância Sanitária (CVS/SP), pertencente à Coordenadoria de Controle de Doenças, publicou em meados de abril a Portaria CVS Nº 5/2013, que aprova o regulamento técnico sobre boas práticas para serviços de alimentação e um roteiro de inspeção. Apesar de pouco tempo em vigor, a nova portaria já está sendo alvo de críticas. Técnicos da ANR já entregaram um documento pedindo a revisão da norma e a reivindicação está em processo de avaliação por parte do órgão competente.
A nutricionista Rosana Lobo, integrante do Grupo de Trabalho Técnico (GT-Tec) da ANR, sugeriu como ideal o alinhamento do setor regulatório, com objetivo de uniformizar a fiscalização em diferentes regiões do País. Segundo ela, esta integração permitiria mais garantias à segurança alimentar; além de, como consequência, simplificar diversos procedimentos operacionais nos restaurantes.
Ainda de acordo com Rosana, a burocracia tem atrapalhado o trâmite de processos, bem como os recursos solicitados pelos proprietários. Os ajustes, conforme comentou a nutricionista, poderiam ser consolidados se houvesse a ampliação do diálogo entre as autoridades fiscalizadoras.
Para completar esse painel de discussão, a mesa foi composta por representantes de órgãos sanitários, tais como Vera Lúcia da Silva Franco, do Centro de Vigilância Sanitária de São Paulo (CVS/SP); e Luiz Carlos Coutinho, superintendente de Vigilância e Fiscalização Sanitária em Alimentos da cidade do Rio de Janeiro. O debate também contou com a presença da advogada Marília Castro Torres Fernandes, especialista em Direito Sanitário; e de Paulo Coury, gerente-geral de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“O fato de estarmos reunidos para discutir esses desafios representa um grande ânimo e nos mostra como é importante trabalharmos juntos”, afirmou Coury. Para ele, é imprescindível aumentar o número de encontros para resolver as atuais questões inerentes ao setor e, até mesmo, se antecipar às eventuais demandas que possam surgir futuramente.
Notas para higiene
Outro destaque do evento foi o painel sobre a categorização de restaurantes e a preparação para os megaeventos que o Brasil irá sediar em breve – entre eles a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O diretor da Anvisa, Jaime Cesar de Moura Oliveira, aproveitou o momento para explicar, de modo geral, as etapas do projeto-piloto lançado pelo Ministério da Saúde em maio deste ano, com o objetivo de fortalecer as ações de vigilância sanitária nos serviços de alimentação.
Segundo ele, os restaurantes das 12 cidades-sede da Copa serão classificados com notas sobre as condições de higiene em que operam. O projeto foi inspirado em ações semelhantes já realizadas em países como Dinamarca, que utiliza ilustração para indicar a condição sanitária dos restaurantes; e Nova Zelândia, que usa uma classificação por letras.
Atualmente os restaurantes são classificados apenas em duas categorias – aqueles que estão aptos a funcionar e os que não estão. No texto sobre a descrição do projeto de categorização, a Anvisa informa que “o que se busca com esse projeto é a construção de um quadro mais preciso, onde se pode caracterizar a variação da qualidade sanitária entre aqueles que estão em funcionamento”. Ainda conforme a Anvisa, a classificação será baseada a partir da RDC nº 216/2004, que trata das boas práticas em serviços de alimentação.
Na primeira etapa, os restaurantes selecionados tiveram um prazo de dois meses de autoavaliação. Durante este período, que durou de 10 de junho a 10 de agosto, os estabelecimentos receberam uma espécie de check-list para realizar inspeções e, quando necessário, adotarem medidas corretivas.
Desde setembro começou a segunda etapa, quando os agentes da vigilância sanitária passaram a visitar esses restaurantes para verificar se as normas estão sendo seguidas. Todo o material sobre as inspeções servirá como base para a elaboração de um apanhado geral sobre as condições dos locais analisados e, com isso, a Anvisa pretende compilar uma categorização geral. Somente a partir do ano que vem haverá a classificação específica e a divulgação das notas de cada estabelecimento.
“É importante deixar claro que o nosso principal objetivo é informar o cliente, e não desqualificar os restaurantes”, afirmou o diretor da Anvisa. Segundo ele, existe uma “enorme discrepância entre os estabelecimentos que possuem licença sanitária para operar” e essa categorização pretende evidenciar as informações aos consumidores.
Conforme foi exposto por Oliveira durante a sua palestra, o projeto está sendo planejado há mais de dois anos. Caso os resultados sejam satisfatórios, a ideia é expandi-lo a todo o território nacional. “A categorização não foi delineada somente em função da Copa do Mundo e das Olimpíadas, apenas consideramos que agora o momento é oportuno”, disse.
Segurança alimentar
O penúltimo painel do evento debateu as competências dos órgãos reguladores. Uma das palestrantes foi Martha Gewehr, subgerente de alimentos da Coordenação de Vigilância em Saúde da cidade de São Paulo (COVISA-SP). Entre outros assuntos, ela apontou as principais irregularidades encontradas nos restaurantes. “É comum repetirem as mesmas infrações em locais diferentes”, comentou. Além dela, estavam presentes Renan Bueno Ferraciolli, diretor adjunto de fiscalização do Procon-SP; e Valmir Ditomaso, diretor técnico do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem).
Por fim, o painel sobre novas tecnologias na gastronomia encerrou o encontro. O primeiro palestrante foi o chef francês Laurent Suaudeau, que falou a respeito de alguns métodos inovadores e bastante úteis em restaurantes, como a técnica de sous vide, que realiza a cocção de alimentos acondicionados em embalagens plásticas seladas a vácuo.
Na sequência, o gerente de inspeção e controle de riscos de alimentos da Anvisa, Willian Latorre; e o chefe da equipe de alimentos de Porto Alegre (RS), Paulo Casa Nova; explicaram que algumas tecnologias ainda não possuem regulamentações específicas e, por isso, há necessidade de maior atenção por parte dos restaurantes. A bioquímica Ellen Lopes, diretora executiva da empresa Food Design, também participou do debate e comentou alguns riscos que essas novas técnicas trazem para dentro dos estabelecimentos, especialmente sobre os perigos de contaminação dos alimentos.
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